quinta-feira, 31 de maio de 2012

POETAS E POEMAS

 Poesia nas ruas de Maputo,
Moçambique, 27/10/2011

SÉRIE POEMAS INSPIRADOS NUM INDIGNADO 2
Celso de Lanteuil
UK, 29/04/2007
Inspirado num poema de Brecht
POEMAS 1913-1956, Editora Brasiliense

Poemas falam de amores
De dores, dos piores medos, das melhores horas
De traições, de maldições
Covardias e heresias

Pode um poema tudo descrever?
Saberá o poeta melhor compreender?
Versos iludem, nos deixam grogues
E também nos levam a lutar

Apesar de tudo ver, indicar, denunciar e gritar
Poetas e poemas não impedem psicopatas de torturar
Egoístas de trair, fascistas de subjugar
Falsos de rir e mentir

Mas nos fazem pensar sobre os rumos que seguem os homens
Em mato, tu roubas, ele tortura
Nós traímos, vós invejais
Eles fazem poemas

Um bom poema é a contramão
A morfina que elimina a dor
O amor que sufoca o ódio
A água que acaba com a sede

Travesseiro para cabeças cansadas
Alimento para espíritos famintos
Eu verso, tu escreves, ele cria
Nós compomos, vós fazeis rimas, eles interpretam as emoções

Seria possível a vida sem os poemas? Creio que não
Poetas e versos são tão necessários quanto um abrigo
Um grande amor, uma obra de arte, uma mente brilhante
Um mestre da ciência ou um grande líder espiritual

É uma necessidade do homem para prosseguir
Um remédio eficaz para corações angustiados
Poetas e poemas nos fazem repensar sobre as coisas simples da vida
E da mesma forma, pelos absurdos que ela nos revela

Poeta de rua em Maputo
Moçambique, 27/10/2011

quinta-feira, 24 de maio de 2012

SERVOS


Trabalhadoras no Mercado do Plateau, Ilha da Praia
Abril de 2012, Cabo Verde

SERVOS
Celso de Lanteuil
2010
 
São eles que nos aquecem
Lavam nossas cuecas
Limpam o chão que pisamos
 
Eles nos massageam as costas
Revivem nossa memoria
E transportam nossas sacolas
 
São eles que riem das nossas piadas
Espremem as nossas laranjas
Morrem as nossas mortes
 
Eles estão em todos os lados
Apagados, esquecidos, desdentados
Carregando os nossos fardos
 
Vivem para nos servir
Nos colocar no poder
E assistir nossa vida rica seguir

Rickshaws (Vespas com cabine) e Tuk Tuks (versão bicicleta)
Transportam passageiros defronte ao Red Fort
New Delhi, 26/11/2011

CONQUISTAR PARA TER

A impressionante fortaleza Red Fort em Old Delhi, 26/11/2011
Patrimonio da Humanidade

CONQUISTAR PARA TER
Celso de Lanteuil
2/04/2007
 
Por vezes penso que o homem surgiu para oprimir
Tirano por natureza
Vampiro por necessidade
Nasceu para viver bebendo a esperança dos outros
E comer os sonhos dos seus semelhantes
 
Na idade da pedra assim fazia para sobreviver
E sobreviveu porque se uniu
Para se defender do frio e da falta de alimento
Mas depois, para conseguir o melhor bife
Foi se isolando
 
Em algum momento durante sua trajetória
Começou a querer mais do que seus próximos
Mais carne, mais pão
Uma moradia maior e mais segura
Então precisou de escravos, de exércitos
 
Hoje anda cada vez mais só
Luta pelos seus interesses e sorri para disfarçar
Faz um discurso que agrada a platéia que lhe ouve
Vende e compra almas, tudo para atingir a meta
E ser muito feliz, apesar da desgraça que constroi


Trabalhadores fazem a manutenção da fortaleza

DENTRO DO COMBOIO

Uma habitação bem precária em Antananarivo, Madagascar

DENTRO DO COMBOIO
Celso de Lanteuil
Lisboa-Porto, 20/05/2012

Ele pede ajuda
Para a mãe
Pelos irmãos
Por ele que precisa resistir
 
Ele escreveu num papel sua condição
Fez muitas cópias que distribui dentro do trem
O que ali está escrito é forte
Não vou repetir
 
Ele pede ajuda. Tem coragem para isso
Seu olhar me convence. Faço a minha contribuição
Ao redor paira a suspeita
Será este mais um golpista?

quarta-feira, 23 de maio de 2012

VOZ

Repouso após uma longa jornada
de Antananarivo, com pouso em Marseille e Paris 

VOZ
Celso de Lanteuil
Mais uma Feira do Livro em Lisboa
Marquês de Pombal Maio 2012

Nasci para muitas coisas
Para tolices, besteiras
Brigas bobas, verdadeiras babaquices

Nasci para perceber lá no fundo
Nos olhares, nos detalhes
Nos traços, atos, nas dores e temores

Nasci para a indiferença
E a lucidez
Para a superfície e as profundezas

Sigo entre o superficial e o denso
Fico apertado neste ser e não ser
Neste rosto que não consegue tornar-se somente um

De um lado o desejo de viver livre, autêntico
Comprometido com a vida e as pessoas
Do outro lado a vontade de deixar a vida seguir

Aceitar os outros
Colocar os pés na areia
Tocar uma canção para um estranho que queira me ouvir

Rasgar o paletó que sou obrigado a vestir
Queimar minhas gravatas
Destruir a formalidade que me persegue por razão de profissão e formação

Nasci para aprender e ignorar
Mas nada do que faço ou sonhe
Consegue subsistir sem este um e outro

Sou a voz que grita e luta, a outra que cala e fraqueja
Sou este que quer rir e não consegue
E aquele que escuta o filho adoslescente dizer “Pai, você é uma criança”

Azulejos portugueses de personagens das histórias em quadrinhos
Painel localizado na região do Pavilhão Atlântico, Lisboa

terça-feira, 22 de maio de 2012

DEUS

Lagostas e caranguejos se apertam e aguardam
DEUS
Celso de Lanteuil
Lisboa, Rossio, 28 de Abril de 2012 

Volto a falar de Deus. Como não fazê-lo? Deus está na vida de todos nós, não é mesmo? Ou será que não? Almoço defronte de um tanque com água num restaurante de rua. Alguns chamam a isso de aquário! Observo lagostas a subir e descer das costas de alguns caranguejos. Elas tem as garras amarradas. Entre os dois extremos do apertado aquário, dois grupos de lagostas empurram a menor de um lado para o outro.

A cada trinta segundos, aproximadamente, ela é expulsa do seu canto de modo nada amistoso. No meio deste embate que só não é mais agressivo pelo fato de terem suas garras amarradas, os enormes caranguejos respiram o oxigênio da morte.

Se Deus é onipotente e o mais justo de todas as criaturas, por onde andará para permitir este espetáculo mórbido? Paro por aqui. Nem mesmo pretendo falar da fome, sede, ditadores, censura, tortura, usura, gula, egoísmo, corrupção, escravidão...

Volto a dizer. Se Deus tudo pode, deve estar distraído com assuntos mais interessantes, ou anda muito ocupado com questões mais sérias.

Cartaz espalhado pelas ruas de Lisboa, Maio de 2012

DIABO

Bomba que caiu no Santuario di San Francesco di Paola, Calabria
Por alguma razão não explodiu
DIABO
Celso de Lanteuil
Lisboa, 28 de Abril de 2012
 
Que o Diabo existe, isto sabemos que sim. Se possui chifres e rabo, já é outra história. Por vezes chego a pensar que aqui na terra seus seguidores já são maioria. São as notícias dos jornais e as cenas do cotidiano que me fazem pensar dessa maneira. A lista de eventos é vasta e de conhecimento de qualquer pessoa que tenha um pouco de humanidade no coração. Basta ser um observador atento dos acontecimentos e das pessoas, para se verificar que a popularidade do capeta aumenta. Guerras, corrupção, sofrimento, holocausto, preconceito, ódio, inveja e a lista parece não terminar.
 
Como já disse inúmers vezes, para Deus deixar como está, é porque tem problemas maiores para resolver. Mas se Deus é justo, misericordioso e tudo é capaz, não entendo porque ainda não trouxe a paz e o equilibrio para aqueles que vivem na terra? Afinal, Deus não deseja o sofrimento de ninguém, inclusive não quer ver o Diabo chorar. Que dilema tem Deus em suas mãos. Será que passou todo esse tempo a refletir e até o momento não encontrou uma justa solução para este caos em que se meteu a humanidade? Será que essa indefinição ainda vai durar muito tempo?

segunda-feira, 21 de maio de 2012

SUGADOR DE ALMAS

Old Town, New Delhi
Na porta de um templo
Foto autorizada

SUGADOR DE ALMAS
Celso de Lanteuil
Comboio Porto-Lisboa, 04 04 2012 
 
Cuidado!
Garras podem tocar seu pescoço
Forças podem sufocar tua voz
Vampiros sugadores de alma podem sugar sua essência
Deixá-lo anestesiado, sem sentido, indefeso
 
O veneno do mal pode estar dentro de você
Das suas revoltas e desapontamentos poderá surgir uma pessoa amarga
E agressiva
Essa violência poderá voltar para aqueles que mais ama
Não culpe alguém por aquilo que você é, faz ou vive
 
Entenda o porque das suas aflições
Compreenda e aceite que as pessoas são diferentes de você
Sonham a felicidade de uma outra maneira
Sofrem por motivos que não os seus
Desejam coisas que não lhe interessam
 
Não tente fazê-las caminhar na sua trilha
Vibrar com os seus projetos
Admirar aquilo que lhe faz ficar impressionado
Se elas rezam para um outro Deus e desse modo encontram a paz
Deixe-as seguir na sua vocação
 
Se elas tocam a relva e choram
Ou se encontram motivação na prostituição
Tente olhar com cuidado aquele que é levado para uma ou outra situação
Lembre-se do que tens, daquilo que lhe trás alegria e conforto
Dor e desamor
 
Não abandone os seus ideais
Mas permita-se o exercício da tolerância
As pessoas só podem lhe oferecer aquilo que sabem
Sobre o amor, a auto-estima
O respeito e a liberdade
 
 
Red Fort, New Delhi
Foto autorizada
Um simpático e educado guarda orienta turistas
Niki de Saint Phalle (1930-2002)
Crucifixion, 1965
critica de época da representação convencional da mulher
Centre George Pompidou
A OUTRA
Celso de Lanteuil
Porto, 21-05-2012
(hora do lanche)
 
Ela é uma bota de salto fino
Um casaco com gola alta e botões largos
Ela é uma bolsa amarela
Um lenço de seda que ornamenta e aquece
 
Ela é o óculos escuro preso aos cabelos
O brinco, a pulseira, as unhas pintadas
Os lábios vermelhos do batom
Nua, ao banhar-se, ela é a outra que não quer ver

SOMOS ASSIM

Escultura em forma de banco
Feita de armas usadas na guerra da libertação de Moçambique 

SOMOS ASSIM
Celso de Lanteuil
Paris, 25 de Fevereiro de 2012

O homem ainda se organiza de maneira desequilibrada e precária por causa de muitas coisas. Há vários fatores que determinam esses desequilíbrios. Daqueles que nos caracterizam, o egoísmo, a ganância, a estupidez e o instinto de sobrevivência, estão entre estes. Aqueles que representam o Estado e o povo, em maior ou menor grau, tem a capacidade de promover ondas de mudanças que podem ser positivas, ou não.

Mas somos humanos, com várias aptidões e características. Muitos de nós tem a vocação para o consumo. Estão sempre famintos e engolem tudo o que podem, através de uma interminável gula, sede e irresponsabilidade. Se empanturram com aquilo que precisam ou desejam possuir. Não querem saber se o resultado das suas praticas, destrói o planeta e a vida que por aqui transita. Estão se lixando para com os outros e o dia que virá. Querem o seu, agora e isto lhes basta. Há muitos desses tipos por aí, que se apresentam em diversos formatos.

Os que pensam tudo poder comprar. Os que acham ser capazes de oferecer todas as respostas. Aqueles cuja vaidade não lhes permite enxergar os seus próprios erros e incompetência. Os gulosos que precisam de sempre mais. Há tipos piores que combinam traços de egoísmo, ganancia, muita vaidade nas veias e a idiotice do invejoso do Zé Ninguém, que Wilhelm Reich tão bem descreveu. Esses tipos ignoram o significado de se viver em comunidade e em paz, respeitando as diferenças e tudo indica, são vocacionados para destruir.

Na sua fraqueza de carater, avançam com sua infinita indiferença e falta de empatia para com o sofrimento do vizinho. Suas principais virtudes são a sede e a fome de ter. Negam o bem comum. Desconhecem a solidariedade e precisam ter sempre mais!

Temos ainda em escala crescente, um outro grupo. Este merece especial atenção. Na sua escalada pela sobrevivência, seguem destruindo o que encontram pelo chão. Eles precisam subsistir ao novo dia que se aproxima. São os que em seu desespero lutam por um alimento qualquer, pela água e o abrigo que lhes faltam. Falta-lhes tudo.

Somos assim. Todos esses. Diferentes e iguais, que poderíamos estar em lugares trocados, mas não estamos. E nessas nossas diferenças, caminhamos atropelando aqueles que interrompem o nosso caminhar. Mesmo sem direito compreender o por que. Mesmo sabendo exatamente aquilo que queremos e iremos fazer.


Dinheiro da destruição 
Uma tradição antiga que parece não ter fim
Fortaleza na cidade de Maputo

VOZ IMAGINÁRIA

Local onde os presos políticos de Tarrafal
faziam suas necessidades
foto de arquivo Abril de 2012
 
VOZ IMAGINÁRIA
Celso de Lanteuil
 
Inspirado nos depoimentos de presos políticos
Campo de Concentração de Tarrafal
Ilha da Praia, 10 de Abril de 2012

Estou preso
Prisioneiro no Campo de Concentração de Tarrafal
Ilha da Praia, Cabo Verde
Preso e não sei por que, ou sei?

Escapar da dor é fácil para quem não a sente
Por isso preciso que não esqueçam
Mesmo que seja eu
Essa voz imaginária a dizer

Aqui tentam me isolar do mundo
Esperam que eu perca a noção de que existe vida
Vida do outro lado das celas e muros
De que a liberdade é algo possível e está bem próxima
 
Entre nós fortalece a esperança de que este pesadelo acabe
Que possamos voltar às ruas sem medo
E caminhar ao lado das nossas mulheres, filhos, familiares e amigos
Sabendo que não haverá outro Tarrafal
 
Lisboa Fevereiro de 1978
Tarrafal nunca mais!
Multidão acompanha os restos mortais de portugueses
mortos no Campo de Concentração de Tarrafal
foto da exposição